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AS LEIS EM DIA COM A TECNOLOGIA

Era só uma lei para cobrar uma contribuição das plataformas de streaming em favor da produção audiovisual brasileira. A tal contribuição já existe, é chamada Condecine e é cobrada há anos das operadoras de TV paga, emissoras de TV aberta e outras empresas do ramo. O projeto de lei prevê descontos para as plataformas – Netflix, Amazon Prime, Disney+,.. – que investirem em produções nacionais ou na formação de mão de obra para o setor ou em infraestrutura para audiovisual. E ainda, os catálogos dessas plataformas teriam que oferecer uma quantidade mínima de filmes brasileiros e dar destaque na divulgação.

Foi mais ou menos isso que o Senado aprovou no mês passado e mandou para a Câmara dos Deputados. Desde então o projeto de lei 8889/17 começou a crescer em todas as direções, muito além da aplicação de um tributo. Uma tentativa de regulamentação dos serviços de streaming que engloba praticamente um conjunto de políticas públicas para o audiovisual nacional. O que pode ser uma distorção que acompanha há muito tempo as leis brasileiras.

A própria Constituição de 1988 trouxe vários artigos sobre questões muito específicas que, segundo vários juristas, caberiam mais no contexto de leis ordinárias. Àquele tempo pareceu uma garantia a mais para a defesa de determinados direitos. Afinal, estava na Constituição! No entanto, vários desses artigos foram revogados mais tarde, mostrando que de nada valeu exagerar na legislação. Ao que parece esse detalhamento excessivo das leis brasileiras se repete historicamente por conta de dois motivos. Além dessa sensação de segurança, conta como prestígio para o legislador que fez constar aquele dispositivo, aquele detalhe a mais. É aquela artimanha de jogar para a torcida, sair bonito na foto, mesmo que não acrescente nada em favor de quem está pulando na arquibancada.

Agora o projeto estabelece três diferentes modalidades de distribuição de vídeo on line, cria os “provedores plenos” e mantém a possibilidade de descontos para as plataformas que investirem em produções brasileiras, ou em projetos de formação e capacitação de mão de obra ou em implantação, operação e manutenção de infraestruturas. Defende os chamados influenciadores, para os quais a Condecine não poderá ser repassada pelas plataformas. O projeto de lei prevê até a destinação específica dos recursos. Metade deverá ser aplicada em investimentos na produção ou licenciamento de conteúdos brasileiros independentes. Pelo menos 30% da arrecadação vai para produções de empresas das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Outros 10% vão para conteúdos audiovisuais de “produtoras vocacionadas”, ou seja, aquelas que têm em suas equipes criativas principalmente pessoas de grupos incentivados, como negros, mulheres, LGBTs. O projeto estabelece até limites para fabricantes de televisores, nos casos em que as marcas também atuem como provedores de TV por aplicação de internet. Para todos esses provedores, ligados a marcas de televisores ou não, também é obrigatória a oferta gratuita das TVs Câmara, Senado, STF, canais oficiais do governo federal, do SUS e do Ministério da Educação. Por fim, as alíquotas. Segundo a proposta do Senado a Condecine sobre o streaming “pode chegar até 3% do faturamento bruto”. A Câmara prevê até 6%.

Muita coisa que está no projeto talvez ficasse melhor nas estratégias da própria Ancine – a agência nacional do audiovisual – ou no planejamento de outros órgãos afins, como o Ministério da Cultura. O que está acontecendo na prática é exatamente o previsível para um projeto de lei tão amplo, sendo discutido entre mais de 500 deputados. Não está havendo acordo e os interessados não conseguem colocar o projeto em votação. “Quem tudo quer, nada tem”, diz o ditado popular. Com a aproximação das eleições municipais as casas legislativas vão se esvaziando, porque os deputados correm para suas bases para apoiar candidatos. O projeto de regulamentação do streaming ficou tão complicado que permitiu aos deputados contrários criticarem coisas que nem estão no texto. Chegaram a anunciar que, uma vez aprovada, a tal regulamentação vai “acabar com a liberdade de expressão no Brasil”. Na verdade, nenhum artigo se refere à qualquer tipo de manifestação nas plataformas. Isso foi objeto de outro projeto, que ficou conhecido como “lei das fake news”, mas até agora também não foi votado.

Depois dessas décadas do presidencialismo de coalizão já ficou claro que, mesmo diante das determinações legais, em casos como esses, só vai ser cumprido o que o governo de plantão quiser. Ou o que for negociado com os outros partidos em novos acordos. Porém, mais importante ainda – e, aparentemente, também mais distante – seria a compreensão, por parte de legisladores e dos governos, de que as inovações tecnológicas mudam tudo em muito pouco tempo. A chamada lei do SeAC, que regulamenta as operadoras de TV por assinatura, foi aprovada cheia de detalhes em 2011 e já se tornou um problema para o setor. Leis mais simples, vão tornar mais simples também o avanço institucional a partir das tecnologias que estão por vir.

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