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AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS E OS PRINCÍPIOS MORAIS

Tem uma regra prática que pode testar se um serviço público pode ser considerado essencial. É só perguntar se a sociedade pode viver normalmente sem aquele serviço. Por exemplo água e esgoto, energia elétrica, telecomunicações, segurança pública. Dá para viver sem? Mesmo que sejam privatizados, esses serviços sempre estarão sob leis que autorizam o poder público a intervir, se necessário, para mantê-los funcionando.

E a internet, é um serviço público essencial? O mundo funcionaria sem banda larga disponível no mercado? Essa é uma discussão que chegou ao auge em 2016, quando Donald Trump revogou o “princípio da neutralidade da rede”. A medida não ameaçou o fornecimento da banda larga, mas permitiu que o acesso pudesse ser priorizado em favor de clientes que pagassem a mais por isso.

Agora a FCC – Comissão Federal de Comunicações, dos Estados Unidos, decidiu restaurar o princípio da neutralidade. No final de abril trouxe de volta a legislação criada originalmente nos tempos de Barack Obama. Isso significa que, perante as leis americanas, a internet voltou a ser um serviço essencial. E isso volta a sustentar uma polêmica em torno da essencialidade da internet enquanto serviço público. Também sobre o que é necessário para garantir o funcionamento de determinados serviços no atendimento à população.

Até onde a prioridade de acesso à internet por pagamento seria um desrespeito aos outros usuários? No Brasil, país detentor da maior quantidade de água doce no mundo, todas as pessoas já ficaram sem água em algum ambiente que frequentam diariamente. Isso acontece. E se você soubesse que a pressão insuficiente da água na sua casa estaria acontecendo porque outros consumidores pagaram mais para receber mais água? (a conclusão é sua). Da mesma forma, imagine a situação de microempresas que vendem pela internet. De repente a rede está muito lenta, então menos vendas vão acontecer. O motivo? Uma empresa de streaming pagou para ter maior largura de banda a partir daquele dia. O que você acha disso? A resposta pode parecer óbvia tanto para os contrários como os favoráveis. É a discussão que está posta. Uma polêmica típica de Século XXI, cujo ponto de equilíbrio deve ser pensado. Pena que, também por conta de tipicidades desses tempos, esse pensamento muitas vezes se submete à ideologias e outras questões políticas. Isso leva insegurança a muitos daqueles que pensam em basear seus negócios na internet.

Para quem quer continuar nesse debate algumas informações podem ser consideradas especialmente importantes. Como, por exemplo, o fato de que a internet nunca teve dono. Não dá para afirmar sequer quando a grande rede surgiu. Sabe-se que na década de 1960 o governo americano encomendou uma pesquisa para a criação de uma rede que permitisse a comunicação por meio de computadores. A partir daí outros países, como França e Inglaterra, também em cooperação com os Estados Unidos, desenvolveram seus próprios projetos de redes. Surgiram contribuições importantes. Mas a internet em si “aconteceu” quase espontaneamente. Isso foi em meados dos anos 80 do século passado. Funciona com base em protocolos (softwares) que permitem a conexão entre redes, oferecendo determinadas funcionalidades. Daí formou-se a grande rede das redes de redes. Os provedores, que oferecem a conexão ao mercado, de um lado investem na conexão deles com a internet e, de outro, na distribuição desse sinal para seus clientes. É o que se chama de “última milha”, aquele pedacinho periférico de rede que chega ao consumidor final e é conectado, pelo provedor, na internet. Nessa condição, por que os provedores teriam o direito de priorizar toda a rede para quem lhe pagasse mais por isso? O resto da rede conectada ao provedor, que é a internet como um todo, não tem dono. Some-se a isso o fato de que tudo aconteceria em detrimento dos “outros” clientes dele.

A discussão continua. Mas não para o atual governo americano. Ele foi até mais adiante, dando à FCC poderes para agir de forma a “proteger os consumidores, defender a segurança nacional e promover a segurança pública”. De acordo com o site Teletime a comissão tem o direito de intervir quando os consumidores não estiverem sendo atendidos adequadamente por seus provedores. Se Trump voltar à presidência, é de se supor que a neutralidade da rede seja novamente questionada. Com a diferença de que, então, os dois sistemas já terão sido “testados” pelo mercado. Só falta saber quantas novas tecnologias para otimização da rede já terão surgido até lá. E, mais tarde, quantas novas demandas serão levadas à internet, também por conta de novas tecnologias.

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